Seja didático ao falar com a classe C

Li, achei interessante e recomento o texto abaixo, de Demetrius Paparounis. Até porque, já passei muitas horas em ponto de ônibus com o fone no ouvido e o iPod desligado, só escutando a conversa alheia.



Se você precisa criar ou comunicar um produto para a classe C, um conselho: passe alguns dias na companhia do seu público-alvo. Pessoalmente!

Pesquisas são ótimas, claro, mas o contato pessoal traz insights que dificilmente você terá simplesmente assistindo à pesquisa atrás da parede de vidro – muito menos ouvindo o relatório numa sala de reuniões. Claro que é preciso tomar muito cuidado com o viés pessoal, mas viver um pouco a vida estrangeira dos mais pobres ajuda muito a diminuir o sotaque dos nossos produtos e das nossas campanhas.

Durante os dez anos que fiz revistas para a hoje chamada nova classe média, visitei inúmeras famílias de leitores. Essa experiência formou em mim a convicção de que a boa comunicação para esse público geralmente precisa incluir generosas pitadas de didatismo. Não porque esse público tenha dificuldade de compreensão – o problema é a falta de informação sobre o novo mundo ao qual estão sendo incluídos. O mundo dos que já tem a sobrevivência garantida e agora partem para experiências mais complexas e gratificantes.

Certa vez, visitando uma família baiana, tive um exemplo marcante dessa necessidade. A família tinha acabado de fazer sua primeira viagem de avião, comprado num pacote que incluía hotel. Depois de todas as dúvidas e inseguranças de quem voa pela primeira vez, eles chegaram no quarto do hotel e viram uma plaquinha pregada do lado de dentro da porta: “Por favor, arrume o quarto”. No dia seguinte, antes de sair para passear, adivinha o que a hóspede de primeira viagem fez? Obedeceu a antipática placa.

Recentemente, outras duas histórias me chamaram a atenção. Num colégio estadual que visitei em São Paulo, uma mãe me contou que a escola estava pedindo dinheiro para “a PM” pintar as paredes. “Eu não dou”, ela reclamava. “Nunca vi um carro da PM na frente da escola, agora eles querem dinheiro?” Simplesmente, ela não sabia que, em escolas públicas, existe a Associação de Pais e Mestres. Na roça onde ela cresceu não havia esse luxo. E depois ninguém achou importante explicar isso a ela.

A outra história aconteceu na última Black Friday com uma cabeleireira que eu conheço. Atraída pelos baixos preços, ela passou horas na fila de um hipermercado para comprar um tablete para o filho de 9 anos. “A única coisa que eu sabia era que precisava ter Android e wi-fi”, ela conta, repetindo a exigência do filho.

Comprou um de duzentos e poucos reais, deu ao filho, mas, em vez de alegria, teve um fim de semana frustrante. O problema não foi com o aparelho em si – aliás, muito bom pelo preço -, mas a falta de uma informação básica. Ela não sabia que não dá para ligar o cabo de internet do computador diretamente no tablete. Na família dela, assim como na da maioria dos brasileiros, ninguém nunca tinha ouvido falar de roteador. E o presente passou o fim de semana inútil como aqueles brinquedos que vinham sem pilha na nossa infância.

Fonte: Meio e Mensagem

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